
Com a primeira geração que teve contato com o mundo digital avançando em idade, pesquisadores começaram a se perguntar: existe uma correlação entre o uso de tecnologias e o risco de demência?
Já existe muito papo sobre o assunto – é só lembrar da Palavra do Ano eleita por Oxford em 2024: brain rot, que “descreve uma suposta deterioração do estado mental ou intelectual do indivíduo, especialmente como resultado de um consumo exacerbado (hoje, particularmente, conteúdo online) considerado trivial ou pouco desafiador”.
Parece que muita gente acredita que sim, que usar muito da tecnologia atual aumentaria o risco de demência no futuro. Bom, segundo um novo estudo publicado na Nature Human Behavior por neurocientistas da Universidade Baylor e da da Universidade do Texas, a resposta é não: as tecnologias digitais estão, na verdade, associadas à redução do declínio cognitivo.
O estudo foi uma meta-análise – significa que a dupla de pesquisadores pegou os resultados de vários outros estudos independentes e combinou-os em uma conclusão mais robusta – do uso da tecnologia e do envelhecimento cognitivo. Segundo eles, a pesquisa foi motivada pela preocupação constante com a atividade passiva das tecnologias digitais e sua relação com a aceleração dos riscos de demência.
“Você pode ligar o noticiário em praticamente qualquer dia e verá pessoas falando sobre como as tecnologias estão nos prejudicando”, disse Michael K. Scullin, professor associado de psicologia e neurociência na Baylor e autor do estudo. “As pessoas costumam definir como ‘brain rot’, e agora a demência digital é uma expressão emergente. Como pesquisadores, queríamos saber se isso era verdade.”
A hipótese da “demência digital” prevê que uma vida inteira de exposição à tecnologia digital piorará as habilidades cognitivas. Ao contrário, os resultados do estudo desafiam essa hipótese, indicando, em vez disso, que o envolvimento com a tecnologia digital promove a resiliência cognitiva nesses adultos.
Eles revisaram mais de 136 estudos com dados que abrangeram mais de 400 mil adultos com uma média de 6 anos de dados de acompanhamento. Com isso, a dupla encontrou evidências convincentes de que, em vez de danos, o uso da tecnologia digital está associado a melhores resultados no envelhecimento cognitivo.
A pesquisa apoiou a hipótese de que as tecnologias atuais promovam comportamentos que preservem a cognição – mais especificamente, seu uso está relacionado a um risco 58% menor de comprometimento cognitivo. Esse padrão de proteção cognitiva persistiu quando os pesquisadores controlaram o status socioeconômico, a educação, a idade, o gênero, a capacidade cognitiva basal, o apoio social, a saúde geral e o engajamento em atividades mentais como a leitura, o que poderia ter explicado os resultados.
Desafio digital
Atualmente, o uso da tecnologia é frequentemente associado ao sedentarismo – físico e mental. Passar tempo no mundo digital é visto como uma atividade pouco estimulante e passiva. Contudo, para a geração atual de idosos, que só foram ter contato com internet, computadores e smartphones depois de crescidos, usar essas tecnologias é cognitivamente desafiador – é algo que eles não estão tão acostumados, então é algo que exige de seus cérebros.
“Uma das primeiras coisas que adultos de meia-idade e idosos disseram foi: ‘Estou tão frustrado com este computador. É difícil aprender isso’. Isso, na verdade, é um reflexo do desafio cognitivo, que pode ser benéfico para o cérebro”, afirma Scullin. “Por mais que seja frustrante no momento, pode ser um sinal de que está exercitando seu cérebro”.
Além disso, os pesquisadores apontam que as tecnologias permitem que idosos se comuniquem e engajem socialmente de forma muito mais fácil. Sem videochamadas, emails e apps de mensagens, talvez eles não pudessem ter contato frequente com seus amigos e familiares.
Manter essas redes sociais é importante para diminuir a solidão de idosos. Além disso, quanto mais fortes são essas conexões, melhor tende a ser o funcionamento cognitivo dessas pessoas.
Promovendo o uso saudável da tecnologia
Embora Scullin reconheça os efeitos negativos da tecnologia, como a distração ou sua troca pela interação presencial consistente, ele também enfatiza como a promoção do uso saudável de ferramentas digitais em idosos é benéfica para sua saúde cognitiva.
“Se você tem um pai ou avô que está apenas se mantendo longe da tecnologia, talvez seja interessante revisitar isso. Eles conseguem aprender a usar aplicativos de fotos, mensagens ou calendário em um smartphone ou tablet? Comece de forma simples e seja muito paciente enquanto eles aprendem”, disse ele.
O uso de mídias sociais é outro tópico bastante debatido em termos de efeitos cognitivos. Embora afirme ser difícil prever os efeitos cognitivos de rolar a tela sem parar no TikTok, Scullin argumenta que gerar vídeos por meio da cognição criativa pode ser benéfico. Além disso, ele afirmou que interagir com comunidades online pode trazer benefícios ao formar conexões sociais.
“Poderíamos passar muito tempo falando sobre todas as maneiras específicas pelas quais o uso da tecnologia pode ser prejudicial. No entanto, o efeito líquido desde a década de 1990 tem sido positivo para a cognição geral em adultos mais velhos”, disse ele.
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