OK, cérebro a 10 bits por segundo é um pouco de clickbait, mas como está no título do paper original, dá para justificar, mas claro que a rigor ninguém funciona tão lentamente, a não ser que você seja eleitor daquele cara.
Representação detalhada de meu cérebro. O nome dele é Rubens. Não nos damos muito bem (Crédito: ChatGPT)
Vários autores mais entusiasmados descrevem o cérebro humano como a máquina mais complexa do Universo, o que é algo muito arrogante, visto nossa amostra estatística de UMA espécie racional, mas não podemos negar que o bicho é danado de complexo, consumindo 20% da energia do corpo, só para se manter funcionando.
O valor mais atual da quantidade de neurônios em um cérebro humano, 86 bilhões, vem de uma pesquisa da Dra. Suzana Herculano-Houzel, publicada em 2009. Cada neurônio tem mais de 10 mil sinapses, conectando-se a outros neurônios, formando uma rede com 1014 conexões. Quão complexo é isso? Complexo bagarai, diriam os cientistas. 1014 É um número imenso. Para dar uma ideia:
- A Via-Láctea possui cerca de 2×1011 (200 bilhões) de estrelas;
- Um corpo humano adulto contém aproximadamente 3,7×1013 (37 trilhões) de células;
- Estima-se que existam cerca de 3,5×1012 (3,5 trilhões) de peixes nos oceanos;
- Somando todos os grãos de areia de todas as praias da Terra, chegamos na ordem de 5×1012 (5 trilhões).
A consciência, muito provavelmente, é um produto dessa quase infinita e complexa rede interconectada, e ela ainda recebe mais dados.
Somando os cinco sentidos principais e mais uma meia-dúzia de auxiliares, nosso cérebro recebe em média 109 bits por segundo de informação sensorial, ou 1 Gigabit/s.
Processar todos esses dados seria demais mesmo para nosso cérebro, se fossem processados linearmente, imagine você ter que examinar a totalidade de seu campo visual enquanto está dirigindo, e pensar sobre cada objeto que está vendo?
“Árvore. OK, está parada, beleza. No ponto mais adiante, parece um estudante. Está parado ou tentando atravessar? O carro na minha frente está mantendo velocidade? Está se movendo lateralmente?”
Esse tipo de informação crua não chega à nossa mente consciente, existem partes do cérebro especializadas em filtrar e classificar sinais sensoriais, descartando a informação desnecessária. Um bom exemplo: Se você estiver em um ambiente bem tumultuado, com um monte de gente falando ao mesmo tempo, se não prestar atenção em nenhuma conversa em particular, o som é apenas um burburinho, mas se alguém chamar seu nome, você perceberá na hora.
Do mesmo jeito, se você focar em uma conversa em particular, ela se torna mais nítida.
Um mapa preciso do seu cérebro (Crédito: Reprodução Internet)
Um pedacinho do seu cérebro analisou as informações do córtex auditivo e decidiu que não era importante, exceto se o padrão for muito semelhante a algo considerado prioritário, como seu nome, ou “polícia” ou “tá pelada!”.
Essa informação sensorial é filtrada, classificada, priorizada e escalada para processos neurais mais e mais elevados, até invadirem a Mente Consciente.
Todo esse processamento auxiliar é o que permite que macacos pelados, feitos para andar descalços e correr de leões eventualmente, consigam pilotar carros a 300 km/h, voar caças em velocidades supersônicas e acertem tiros a 3 km de distância.
Quem está acostumado a se hiperfocar em alguma atividade, seja um jogo, música, ou algo do gênero, sabe que aos poucos entramos em um túnel, ignorando mais e mais sinais externos, como se dedicássemos mais processamento para aquela atividade, e parece que é isso mesmo.
A pesquisa dos cientistas descobriu que nas camadas mais elevadas da nossa consciência, não conseguimos paralelizar muitas informações de alto nível. Um bom exemplo são pilotos de caça, que podem sofrer de sobrecarga sensorial, por isso os displays que eles usam são bem simples.
Se você for mostrado 30 informações diferentes do seu alvo, não vai conseguir filtrar e priorizar a tempo quais são úteis. Coloque quatro ou cinco alvos, e o sujeito entra em parafuso, às vezes literalmente.
Note que “informação” pode ser algo extremamente complexo, como dirigir. Existe um fenômeno chamado hipnose de estrada, onde o cenário monótono faz com que o cérebro decida que não precisa de consciência funcional, e suas funções superiores desligam. Você pisca e percebe que está a quilômetros de onde estava um segundo atrás.
Um homem dirigindo um carro com um cérebro no capô (Crédito: ChatGPT)
Seu cérebro cuidou de toda a complexa atividade de dirigir o carro, seguir a sinalização, manter a rota, não bater em ninguém, enquanto você você “descansava”.
Ao mesmo tempo, se você estiver dirigindo e o Cléverson Carlos começar a puxar o cabelo da Tatiana Svetlana no banco de trás, você vai se distrair, o rádio vai anunciar o horário político e você vai tentar desligar, o seu celular toca e você tenta atender, seu buffer lota, e você enfiar o carro em uma Scania, para seu secreto alívio.
Isso ocorre porque seu cérebro consciente não consegue lidar com muita informação paralela ao mesmo tempo. A tal pesquisa concluiu que o throughput é de meros 10 bits por segundo.
E mais: Esse limite afeta todas as atividades cognitivas de alto nível. Experimentos determinaram que um humano consegue ler a uma velocidade entre 28 e 45 bits por segundo. Ahá, mais que dez, certo? Errado, a leitura humana é baseada em formas, não em letras individuais, mas na forma das palavras.
Vcoe cegsnoue ler este texto, seu crbeero aosicsa as praavals com faorms paediarcs e ehnce as laauncs das que nao entnede.
Se alterarmos de leitura para memorização de números binários, a velocidade cai para… 4,9 bits por segundo. Digitação, que demanda processamento e coordenação, cai exatamente na faixa de 10 bits por segundo.
Em verdade, somos péssimos em multitarefa.
Um truque que gostava muito de fazer no trabalho, pois irritava profundamente as pessoas, era quando alguém chegava para falar comigo e eu estava digitando um texto, eu olhava para a pessoa e continuava digitando. O truque é que eu já sabia o que iria digitar, quando a gente escreve um texto normalmente pensa algumas frases adiante, então eu diminuía o ritmo um pouco, e sabendo o texto a digitar, o cérebro repassa a tarefa para um “buffer” que comanda o sistema motor, aí eu poderia dedicar minha atenção para a pessoa.
Na prática, essa multitarefa é um lixo, lembra a do Windows 3.11, e esse truque não funciona se forem duas atividades de alto nível cognitivo ao mesmo tempo, como dirigir e mandar mensagens no celular.
Esse tipo de limitação de banda, como apontado no artigo, traz consequências até para projetos como a Neuralink, de Elon Musk. Os implantes cerebrais, que efetivamente funcionam, não nos darão super-poderes, pois não conseguimos trabalhar na velocidade de processamento que eles atingem.
Talvez no futuro esses implantes consigam nos dar novos sentidos e controle sobre equipamentos remotos, seremos ciborgues conectados à Ultranet, interagindo com as IAs, pilotando caças remotamente em batalhas futuristas, explorando planetas inóspitos com avatares robóticos controlados pelos nossos cérebros.
Tudo a 10 bits por segundo.
Referências bibliográficas
ZHENG, J., MEISTER, M. The Unbearable Slowness of Being: Why do we live at 10 bits/s?. arXiv (Cornell University), 24 páginas, 15 de novembro de 2024.
DOI: 10.48550/arXiv.2408.10234